sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

AS MULHERES NA TROPA

20/03/2007
 
Ainda estava no serviço activo, quando foi tomada a decisão de recrutar um largo contingente de cidadãos do sexo feminino para os quadros de praças da Força Aérea (FA). Até então os quadros tinham sido abertos nas Academias Militares e apenas um pequeno número de moças tinha entrado para cadetes.

Era uma situação nova e como me tinha apercebido que o assunto tinha sido pouco estudado no Estado-Maior onde, na altura, estava colocado, tomei a iniciativa de fazer uma informação enquadrando a problemática e solicitando que fosse feito um estudo apurado sobre as implicações que a entrada de um grande número de mulheres, pela primeira vez, na FA teria e a implementação de medidas para lhes fazer face.

A informação foi a despacho a um escalão intermédio de decisão e veio de lá riscada de alto a baixo com a indicação de que era desnecessário por o assunto já estar estudado e em marcha.

Não estava, e a prova disso é que no fim da primeira recruta na OTA havia uma instruenda grávida e ninguém sabia como lidar com o assunto.

Porém, aquilo que me parecia mais importante ser tratado era a questão psicológica, e não o que saltava à cabeça de todos que se confrontavam com o problema, isto é, os uniformes e as casas de banho para as ditas cujas.

Ora o impacto psicológico e comportamental de quem estava – estamos a falar numa instituição muito peculiar - com muitos séculos de existência e modos arreigados de ser e estar, mas só de homens, é que me parecia primordial e a cadeia hierárquica devia estar preparada para lidar com esta nova realidade.

Mas a pressa da FA em ser primeira neste campo, a novidade, a pressão das “feministas” e outros “istas” e, sobretudo, a falta de voluntários machos, ditaram a sorte das coisas.

No Exército o assunto correu um pouco melhor de início, por terem começado mais tarde e, na Marinha, mais tarde ainda e com maior cuidado, sobretudo por causa da questão de compatibilizar a vida a bordo com estes novos abencerragens.

As coisas lá foram andando com a nossa proverbial capacidade de “desenrascanço” para ir resolvendo os problemas em que ninguém pensou a tempo e a “plasticidade” q.b. para contornar e ignorar uma quantidade de questões que se espera seja sempre outro a enfrentar.

Mesmo mais de 10 anos depois de milhares de cidadãos do sexo feminino terem passado pela vida militar muito pouca coisa se tem feito para estudar e avaliar o seu desempenho e impacto na IM. Convinha fazê-lo, para que tal não aconteça, apenas quando formos confrontados com operações militares alargadas, em cenário de guerra.

Mesmo aquilo que se publica mos “media” reporta-se, por norma, a uma qualquer novidade, do género “a primeira mulher a ser isto ou aquilo”.

Ora o fulcro da questão parece-nos ser a resposta a duas perguntas:

Devem as mulheres cumprir o serviço militar?

E sendo alistadas, deve poder-se-lhes atribuir especialidades directamente relacionadas com o combate?

A nossa posição é uma negativa em relação a ambas. E por duas simples razões genéricas: por não acrescentaram nada à IM e por causa da natureza humana.

Vamos lá tentar dilucidar isto um pouco melhor.

As mulheres não trazem mais-valia nenhuma às FAs, mas aumentam-lhe consideravelmente os problemas. E tentar defender o recrutamento das mesmas por falta de homens parece pouco curial. Convinha antes questionar o modelo de Serviço Militar e, ou, o porquê dessa eventual falta. Mentes mais argutas podem defender, ainda, que algumas características femininas podem beneficiar a IM, por exemplo, o seu maior sentido de organização, higiene, acuidade visual, atenção pelos pormenores, etc., poderia favorecer a vida nos quartéis. Mas para tal era necessário que essas militares fossem aproveitadas em funções específicas, o que nem sempre é possível e seria criticado por representar uma “descriminação”.

E pode argumentar-se que há mulheres (dizem-me que até há três sargentos na Infantaria do Quadro Permanente que são um exemplo), que fazem tudo tão bem como os homens. Pois há, mas são uma minoria, e nas organizações o que interessa é a linha média das pessoas. Agora a lista de inconvenientes é longa, eis alguns exemplos.

A logística tornou-se mais complicada e vai desde a adaptação de edifícios, aos uniformes; foi preciso um esforço grande (ainda não terminado), para regular tudo o que dissesse respeito às mulheres militares; afecta constantemente a rotina por causa das trocas de serviço, deveres parentais, gravidez; quem faz os trabalhos mais pesados, etc., complica a gestão de pessoal por causa dos casamentos, deslocamentos, adequação de pessoas a funções, etc.; as eventuais vantagens cromossomáticas, são amplamente ultrapassadas pelos inconvenientes: as mulheres perante um problema, por norma, choram; intrigam, sobretudo e por causa das “outras”; levantam problemas que estão fora da lógica militar, etc.

A presença de mulheres na tropa levanta ainda questões disciplinares novas e na prática diária: a constante adequação do esforço físico a umas e a outros; a inspecção das camaratas femininas por homens e de masculinas, por mulheres; a convivência dentro de espaços confinados (por ex., um veículo blindado de transporte de tropas); a organização de um bivaque em exercícios no campo; a questão da interacção sexual, etc.

Finalmente, um aspecto sempre escamoteado tem a ver com a percentagem de mulheres admitidas. Não existem regras escritas quanto a isto, por causa do politicamente correcto e do “ruído” feito por “istas” defensores voluntaristas de todas as igualdades.

Não se deveria ter mais de 10 a 15% de mulheres no total do contingente (pelas “regras” actuais, elas poderiam ser 100%), e as mesmas deveriam estar equilibradas dentro de cada especialidade. Ora não é nada disto que se passa. Creio mesmo que se anda em roda livre …

A questão psicológica era a mais importante, estando agora atenuada, mas não deixa de ser fundamental. Havendo homens e mulheres nas FAs só há uma maneira de encarar a situação: da porta de armas para dentro, não há machos nem fêmeas, apenas militares. Ora as coisas podendo em teoria ser encaradas assim, na prática são muito mais difíceis de pôr em execução. Foram muitos séculos a falar de mulheres, quando se estava no quartel e a falar de tropa quando no meio civil …

Os exemplos, às vezes são os mais corriqueiros: tratar as mulheres pelos apelidos (como é norma antiga) e não pelo primeiro nome; obrigar as militares menos graduadas a passar na porta depois dos militares mais graduados; não permitir troca de beijos no serviço, etc. Depois há sempre o aspecto da diferença de hormonas: se bem que grande parte das mulheres é capaz de falar com um homem em serviço, sem atender a mais nada, para a grande maioria dos homens é inevitável que seja feita, em simultâneo, uma apreciação sobre a beleza física de quem está na sua presença. É fatal como o destino!

Neste âmbito as coisas, apesar de tudo, até nem têm corrido mal. Estamos longe de chegarmos aos exageros já ocorridos nos EUA, a propósito do “sexual arresment”.

Lá chegaremos?

Agora a parte ainda mais importante: as mulheres irem para especialidades combatentes.

Há alguns anos a esta parte, foi decidido, dentro do Corpo de Marines americano, proibir as mulheres de irem para especialidades directamente relacionadas com o combate. A decisão levantou grande controvérsia. O assunto chegou ao Congresso onde uma conhecida parlamentar liderou o processo. O Comandante dos Marines foi chamado ao Congresso (coisa que raramente acontece com os nossos chefes militares), e inquirido pela senhora congressista, das razões da proibição, respondeu: “Madam, war is a business of destroying things and killing people, and we both know that women are not very good in doing that” (“Senhora, a guerra é um negócio de partir coisas e matar pessoas e ambos sabemos que as mulheres não são muito boas a fazer isso”).

A inquirição morreu logo ali.

De facto a natureza feminina não se ajusta bem a partir coisas e a matar gente. Está mais acentuada a tratar das pessoas: dos pais, dos maridos e dos filhos, isto é, da família. E os homens gostam de convidar as mulheres para passear, para jantar fora, para ir ao bailarico, ou para ir para a cama. Agora para ir para a guerra?!

Sejamos sensatos, as mulheres podem ser tão corajosas quanto os homens, e já o demonstraram em muitas ocasiões da História de Portugal: nos cercos de Diu; quando se arriscaram escondidas nas caravelas; nos ataques a S. Aleixo da Restauração; na resistência posta aos invasores, durante as cruentas invasões francesas, etc. Mas nesses casos são as circunstâncias que ditam o empenhamento.

As mulheres têm ainda um papel fundamental na retaguarda, não menos importante que na frente, como foram os exemplos de Mariana de Lencastre e Filipa de Vilhena, ao fazerem de seus filhos bons patriotas e logo bons combatentes!

Manter as mulheres fora da IM não deve pois ser encarado como um acto discriminatório. Antes como um facto natural da vida, que defende muito mais as mulheres e as FAs do que insistir em modernismos já serôdios, que a natureza humana e a realidade prática desaconselham.

Quando haverá coragem para encarar as coisas como elas são?

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